A Amazônia legal no cabo de guerra comercial e os eternos oportunistas de plantão
A figura mostra a última imagem do satélite NPP, e cada ponto vermelho é uma detecção de fogo na vegetação
Lincon Lopes
Antes de mais nada é necessário esclarecer que as florestas brasileiras (não apenas a Amazônica) precisam ser preservadas e protegidas em sua integridade, coisa que nunca foi feita neste país. Posto isto, precisamos organizar nossa linha de raciocínio para não nos perdermos entre vieses e desinformações.
A floresta amazônica arde em chamas
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), na data de hoje existem 1.044 focos de queimadas no Brasil. Isso é incontestável.
Com essa quantidade de queimadas, ficamos em 3o. lugar no “campeonato” mundial de queimadas, perdendo para Angola com 4.537 focos e República Democrática do Congo com 2.786 focos.
A Amazônia legal brasileira tem 5.020.000 km2, ou seja, 59% do território brasileiro, enquanto Angola tem, no total, não apenas em florestas, 1.246.700 km2 e a República Democrática do Congo tem 2.345.000 km2 , ou seja, somados esses países têm área equivalente a 71,5% do território da Amazônia legal, mas abrigam 700% mais queimadas!
Estariam os africanos promovendo o desmatamento de seus países em um nível maior que o brasileiro? Óbvio que não, as florestas tropicais estão situadas em uma latitude que sofre a seca do inverno, observe os mapas que mostram os últimos 3 anos de queimadas no mundo. Veja mais aqui.
Os pontos vermelhos são focos de queimadas no mundo, veja que entre a linha do Equador e o Trópico de Capricórnio o mundo está “em chamas” (por gentileza, desconsidere o deserto australiano, não tem muito o que queimar lá).
Obviamente isso não é um fenômeno causado por um modelo de gestão, ainda que um modelo decente teria ferramentas para combater e minimizar os efeitos dos incêndios, ao menos se espera isso do Brasil.
A parte boa é que fica evidente que não há uma má gestão brasileira sobre as queimadas (a menos que toda queimada no hemisfério sul seja de responsabilidade brasileira) e a parte ruim é que todo ano isso acontece, faz parte do “pacote” tropical (estar entre os trópicos).
Muito bem, se não estamos incendiando mais que o habitual (veja bem, nem toda queimada é fruto da atividade humana, não seria racional, após olhar os mapas acima, achar que há uma quadrilha subequatoriana que queima tudo o que vê), qual o motivo de todo esse comentário na imprensa brasileira e mundial sobre a Amazônia estar em chamas?
Quando analisada a série histórica, vemos que esse número elevado de queimadas já apresentado anteriormente, apesar de alto, não é o maior e tão pouco está acima da média registrada, veja o gráfico.
Apesar de não haver um sistema de proteção à floresta amazônica eficiente, nota-se que os dados até a data de hoje não são, nem de longe, os piores que vivemos e encontram-se abaixo da média.
As críticas internacionais
A comunidade internacional está preocupada com a situação amazônica, ainda que o fogo na África, Ásia e, na própria Europa, parece não incomodar muito, apesar de ser grande e frequente (veja os incêndios na Rússia e Portugal). Mas essa inquietação com a situação brasileira não é fruto da preocupação com o planeta ou mesmo com a qualidade do ar que a sociedade sul-americana respira.
Para entendermos a origem das críticas, temos que voltar há alguns meses quando Mercosul e União Europeia assinaram um acordo de livre comércio, leia aqui. Entre tantos produtos brasileiros que aumentarão sua participação no mercado comum europeu, destaco que a partir de agora, produtos brasileiros que tinham baixa penetração naquele continente, terão suas cotas de importação reduzidas e seu acesso ampliado, entre eles:
Carne bovina : Alíquota passará de 20% para 0% para 10.000 toneladas e o restante, até 99.000 toneladas terá 7,5%, sem dúvida um grande avanço para os produtores brasileiros de carne bovina.
Por outro lado França e Alemanha são os dois maiores produtores de carne da Europa, onde o primeiro detém 18% da produção do continente e o segundo 14%, link.
Logo, o acordo entre Mercosul e União Européia causará uma queda razoável de ganho no sistema agroindustrial desses dois países.
Ou seja, a França ameaçou não assinar o acordo da União Européia com o Mercosul e os agricultores ameaçaram greve do setor agrícola na França, além de críticas internas de membros do próprio governo.
E, surpreendentemente, apesar de 2019 apresentar queimadas abaixo da média histórica e, abaixo do que está queimando atualmente na África, o presidente francês resolveu, de forma humanística, preocupar-se com as queimadas no Brasil (ignorando o resto do mundo).
Os países mais críticos são ambientalmente mais responsáveis (?)
Uma constante nas críticas que o Brasil recebe é que a origem delas tem raiz em países que são muito mais preocupados com o meio ambiente e, portanto, mais consciente de seu papel no cenário internacional da sustentabilidade ambiental.
O Brasil, por exemplo, tem 60,92% de toda a energia consumida oriunda de fontes hídricas, ou seja, 100% renováveis, ao passo que a segunda maior fonte é a fóssil (derivados de petróleo) com 14,85% de todo o consumo nacional, por curiosidade, a energia nuclear vem em último lugar, com 1,14% de toda energia consumida aqui.
Já a França tem na energia de origem nuclear a maior fonte de todo o fornecimento, com 72,3%, o que contrasta violentamente com nosso 1,14%.
Mas e a Alemanha que não produzirá energia através de derivados de carvão mineral a partir de 2038 (que hoje são 13,9% de toda energia consumida) e que cessará a produção de energia nuclear até 2022 (13,3%)? Como resolverá sua questão energética?
Simples, o sistema elétrico da Alemanha é interconectado com os sistemas de Suíça, Dinamarca, Polônia, Holanda, Luxemburgo, França, República Tcheca, Suécia e Áustria, o que garante um certo conforto, afinal, a energia suja (nuclear e de derivados de petróleo) desses outros países, quando entram na Alemanha tornam-se automaticamente limpas e verdes.
Mas sobra um detalhe sobre a limpeza da energia alemã, afinal, como devemos tratar o gás natural (que de natural tem só o nome, visto que é originário do petróleo)?
Pois a Europa importa cerca de 180 bilhões de metros cúbicos de gás da Rússia, sendo 49,8 bilhões só para a Alemanha e detalhe importante, isso tudo é apenas um terço (33%) do gás que a Europa e Alemanha consomem.
Vale lembrar que o poluidor Brasil consome menos de 50 bilhões de metros cúbicos ao ano, ou seja, consumimos 1/3 do que a Alemanha consome de gás.
O Brasil emite 3.336.000 toneladas de CO2 equivalente por ano, essa é nossa poluição (incluindo aí as queimadas) ao passo que a Alemanha emite 19.780.000 toneladas de CO2 equivalentes e a Franca 18.867.000, ou seja, no final da história a Alemanha polui 5,9 vezes mais que o Brasil e a França 5,7 vezes mais.
Então meus caros leitores, o Brasil precisaria poluir 11,6 vezes mais CO2 para se equiparar à Alemanha e França na emissão de poluentes causadores do efeito estufa.
Há mais de três décadas o ambientalista celebridade Nicolas Hulot, que foi candidato à presidência em 2007 e atuava como apresentador de um programa de televisão, vem atuando em defesa do planeta . Para surfar nessa popularidade, o presidente Macron o convidou para assumir o ministério da Transição Ecológica e Solidária, o que teve um impacto positivo junto à população francesa e melhorou a popularidade do governo.
Porém, há exato um ano, Nicolas Hulot pediu demissão, não sem antes deixar claro que o presidente francês Emmanuel Macron estava mentindo para a sociedade em suas intenções e promessas políticas sobre meio ambiente. O que foi uma surpresa para o governo, que há um ano via sua popularidade cair drasticamente.
O que será que as 890 empresas francesas presentes no Brasil, que no ano passado teve uma relação bilateral com a França de US$ 6 bilhões e que tem investimentos em nosso país ao redor de US$ 29 bilhões pensam da ideia do seu governo “esfriar” as relações com o Brasil e propor sanções à nosso país?
Então, façamos um apanhado do que analisamos até agora:
1) Sim, existem grandes queimadas no Brasil e em todas as florestas mundiais abaixo do Equador;
2) As queimadas não estão acima da média dos últimos anos (para sermos honestos, estão até abaixo, mas por pura casualidade);
3) O Mercosul assinou um tratado com a União Europeia, que já vinha sendo alinhavado há 20 anos, tal acordo permitirá a inclusão de carnes e demais produtos agrícolas no continente europeu, com taxas razoáveis;
4) O maior produtor agrícola europeu, a França, se queixou do acordo, pois enxergou a real possibilidade de uma quebra do seu agronegócio por falta de competitividade com os produtos brasileiros;
5) Um ano atrás o governo francês perdia seu ministro celebridade que gozava de boa reputação junto à população, porém, em sua despedida, o ministro disse que o presidente mentia e não tinha uma política ambiental séria;
6) Agricultores e ambientalistas batem diariamente no presidente francês pedindo uma postura para suas demandas, ele juntou as duas cobranças em uma só, elegeu o Brasil como inimigo externo, com a finalidade de unificar o povo francês em seu favor e recuperar um pouco sua debilitada popularidade interna;
7) França e Alemanha usam fontes de energia muito mais “sujas” que a brasileira, que é em sua grande parte renovável (um sonho dos ambientalistas alemães);
8) França e Alemanha emitem mais CO2 que o Brasil, sendo mais exato, juntos poluem 11,6 vezes mais que nosso país, isso incluindo aí as queimadas, ou seja, mesmo com nossos incêndios florestais, poluímos menos que os dois principais países da Europa Continental.
Olhando aqui de São Paulo, parece que o mundo precisa intervir urgentemente na Alemanha e na França se quisermos manter o direito de um mundo mais limpo para nossos filhos.
Lincon Lopes é Administrador, Mestre em Administração pela FEA-USP, Doutorando em Administração pela FEA-USP, Professor no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), leciona nos cursos de Gestão Pública e Engenharia de Produção, Coordenador da Pós-Graduação em Gestão de Projetos do IFSP Câmpus São Paulo – Pirituba. Instagram: @lopes_lincon