Bossa Nova recria força na voz da taboanense Julia Ferreira
Julia e Oscar são moradores de Taboão da Serra onde iniciaram o estudo da música, ele aos 14 e ela aos 13 de idade
A cantora taboanense Julia Ferreira e músico Oscar Gonzalez se apresentaram no Beco das Garrafas, berço da bossa nova no Rio
David da Silva
“É tão difícil que dá até gosto a gente aprender”. Essa a reação da cantora Julia Ferreira, 22 anos, ao ser introduzida no universo da bossa nova pelo guitarrista Oscar Gonzalez. Além de instrumentista Gonzalez, 50 anos de idade e 35 de músico profissional, é produtor de espetáculos, arranjador, dono de estúdio de gravação e autor do projeto Bossa Nova 60 Anos. Ambos moram em Taboão da Serra onde iniciaram o estudo da música, ele aos 14 e ela aos 13 de idade. A bossa nova é o traço de união entre estes dois artistas de diferentes gerações que embarcaram para o Rio de Janeiro, para uma apresentação na casa de espetáculos onde Elis Regina saltou para o estrelato na MPB. O show no legendário Beco das Garrafas aconteceu no sábado, dia 28 de abril.
O projeto de Oscar Gonzalez em louvor ao estilo musical criado por Tom Jobim e João Gilberto demorou a se concretizar. Se no teatro há a peça Seis Personagens à procura de um Autor, no caso de Gonzalez era um projeto à procura de uma voz. “Há três anos pensei nesta homenagem à bossa nova, que agora em 2018 completa 60 anos de criação. Fiz testes com várias cantoras, mas nenhuma delas se encaixava no que eu queria. Até que me lembrei de uma garota que eu tinha conhecido tempos atrás aqui mesmo no meu estúdio, e fui atrás dela. Demorei dois anos para encontrá-la, pois eu não sabia que ela tinha ido morar em Portugal”, relata Oscar.
Reviravoltas da vida
Por estar sem seu automóvel na noite daquela 4ª-feira 18 de outubro de 2017, Oscar foi a um caixa eletrônico no bairro Jardim Helena, cerca de 600 metros de onde mora. “Como ele não tem hábito de pegar ônibus, teve de retirar dinheiro para pagar a passagem”, conta Julia Ferreira, que na ocasião não tinha a menor ideia de que Oscar estivesse à sua procura.
“Morei em Portugal por nove meses com o ex-namorado, mas a relação acabou, e voltei muito mal para o Brasil”, relembra Julia. Vítima da depressão e síndrome do pânico, a garota se enfurnou na casa da mãe. “Não teria a menor chance de o Oscar me encontrar na rua ou qualquer outro lugar, pois eu não tinha coragem de sair. Cheguei a pensar em suicídio. Mas naquela noite de 4ª-feira meu pai insistiu pra eu ir a um concerto da Associação Músicos do Futuro na Câmara [Municipal de Taboão da Serra] que fica a poucos metros da casa da minha mãe. E mesmo assim se meu pai não me levasse de carro eu não teria ido”, diz.
Foi justamente do carro do pai que Julia desceu para dar de cara com Oscar. “Saí do caixa eletrônico e fui para o ponto de ônibus, quando aquele carro parou bem na minha frente”, lembra o guitarrista. Julia já tinha estudado piano por cinco anos na Associação Músicos do Futuro antes de ir morar com o ex-companheiro. Mas não conhecia a bossa nova. “O Oscar me falou do projeto, eu disse pra ele que eu não tinha noção deste estilo de música, mas aceitei o desafio”, recorda.
A primeira canção que Oscar mostrou para Julia foi Atrás da Porta. A letra de Chico Buarque para esta melodia de Francis Hime fala de um amor despedaçado. “Aquela música era exatamente o que eu estava passando. Pensei: ‘vou depositar toda a minha tristeza nesta interpretação’. E daí em diante o Oscar foi me passando mais músicas”, diz a garota com a felicidade de o projeto musical e a sua existência se engrenarem abrindo nova promessa de vida para o seu coração.
Caminhos cruzados
A experiência infeliz no relacionamento forjou em Julia a capacidade de entender as mensagens das canções do amor demais. E a longa vivência de Oscar com a música desde a infância o ensinou a crer em predestinação sonora.
“Eu nasci em Santiago do Chile, onde meu pai engenheiro ouvia muita música boa”, conta Oscar, “e quando eu era bem criança ouvi no rádio Toquinho e Vinícius com Maria Creuza cantarem Você Abusou [composição da dupla Antonio Carlos e Jocafi]. Foi meu primeiro contato com a língua portuguesa, e em 1975 quando eu estava com 7 a 8 anos minha família mudou para o Brasil”.
Em 1984 Oscar morava na Rua Ernesto Capelari, próximo ao Largo do Taboão, onde conheceu os músicos Mário Garcia e Wally Garcia. Ali iniciava sua trajetória por palcos e estúdios de gravação. Mário Garcia era diretor musical da dupla que Oscar conheceu por meio da rádio chilena. “Na primeira vez que acompanhei o Mário e o Wally num estúdio, o Antonio Carlos e Jocafi por coincidência estavam fazendo uma regravação justamente da música Você Abusou que eu tinha conhecido quando criança. Tive de ir pro corredor chorar de tanta emoção”, rememora.
A entrada da música na vida de Julia Ferreira se deu de maneira peculiar. “Eu era muito rebelde na adolescência, dava muito trabalho pros meus pais. Daí uma pessoa do Conselho Tutelar sugeriu que eu fosse para a Associação Músicos do Futuro”, lembra a moça rindo.
Durante os anos em que ficou afastada da música trabalhando em shopping, estudando Arquitetura, ou se virando em Lisboa como assistente de pasteleira-chefe, a moça só pensava se a vida ainda lhe daria a chance de um caminho de volta para a Música.
“Quando fui na casa do meu pai buscar os livros e cadernos de ensino musical que eu tinha deixado há tanto tempo, fiquei olhando para aquele material didático dentro do elevador, e chorando muito”, diz a cantora.
No período de outubro a dezembro do ano passado, instruída por Oscar Gonzalez a cantora se isolou do mundo. “Deixei de ouvir rádio, assistir TV, e me dediquei totalmente pra bossa nova”, conta. Em dezembro passaram a gravar os ensaios. Em 27 de janeiro de 2018 Oscar e Julia fizeram a primeira apresentação para o público em uma festa de casamento. Em 16 de fevereiro deste ano iniciaram uma temporada de três meses no restaurante brasileiro Escondidinho, em Embu das Artes.
No último 28 de abril Julia Ferreira e Oscar González se apresentaram na cidade do Rio de Janeiro, no legendário Beco das Garrafas, onde a Bossa Nova se consolidou como o estilo musical brasileiro mais famoso do mundo. Os artistas taboanenses tiveram o acompanhamento de Rick Siqueira (bateria) e Rubens Barbosa (contrabaixo).
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