De Embu das Artes para o mundo: a trajetória da dupla que conquistou o All Dance 2018
Maycon, Nilton Esteves e Victor mostram o troféu que a dupla foi buscar na raça em solo Ianque
Eduardo Toledo, publicado no Jornal O Cidadão
Victor VK e Maycon DX subiram ao palco do badalado Hilton Orlando Resort, nos Estados Unidos, por volta das 23 horas do dia 24 de novembro. Por trás das cortinas, os dois jovens embuenses observaram mais de sete mil pessoas que se amontoavam a espera de mais uma apresentação de dança, desta vez de uma dupla brasileira que chegou em solo americano depois de muitos perrengues e luta.
Talvez só o fato dos dois estarem ali, disputando contra dançarinos de outros 32 países o título do All Dance 2018, um dos principais eventos de dança do mundo, já fosse uma vitória para os garotos que tiveram uma infância difícil nas ruas de Embu das Artes. Mas, contrariando o futuro sem esperança que o destino insistia em impor, eles mudaram a regra do jogo.
“Quando entramos, o palco até tremia, as pessoas gritavam, vibravam mesmo… lá eles levam a dança como algo muito sério, é uma competição mesmo”, revelou Victor, o menos tímido da dupla. Antes mesmo que o frio na barriga pudesse tomar conta dos dois, a música da coreografia começou a bombar no teatro, era hora de mostrar o que aqueles dois brasileiros faziam ali.
Foi uma apresentação rápida, pouco mais de dois minutos de pura perfeição. Coreografia, força e agilidade. A dupla brasileira ganhou o público, ganhou os Estados Unidos, enfim, ganhou o mundo. O título do All Dance 2018 tinha novos donos: Victor VK e Maycon DX. Do Brasil, de Embu. De Embu que leva o “das Artes” como sobrenome. E que nenhum político da cidade esqueça. É das Artes, sempre foi e sempre será.
“Representar nosso país, nossa região, nossa cidade foi maravilhoso, foi muito difícil chegar lá, mas quando enfrentamos todas as dificuldades parece que chegamos mais fortes, tiramos um peso das costas, esquecemos tudo, deixamos pra lá e vencemos. Foi muito emocionante”, conta Victor.
Meses antes, a dupla já tinha vencido a etapa do All Dance Brasil, o que cacifou a ida da dupla aos Estados Unidos. Pra muita gente a notícia seria só alegria, mas um misto de preocupação e aflição tomou conta dos jovens. “A gente não tinha nenhuma condição de ir, não tinha dinheiro, nem nada”.
Uma corrente do bem se formou. O empresário Nilton Esteves reuniu amigos e expôs o drama dos dançarinos. Entre reuniões, apresentações e até jantares surgiram pessoas e empresas que se dispuseram a ajudar na realização desse sonho. A prefeitura de Embu das Artes forneceu as passagens, o empresário Aprígio, a advogada Marilene Trappel e outras pessoas se uniram para garantir a presença da dupla brasileira no evento.
História, suor e lágrimas
Só mesmo dando um salto para trás que é possível imaginar o tamanho dessa conquista. Não apenas por se tratar do All Dance, também não por ser em solo Ianque, mas principalmente pela história de vida desses dois gigantes.
Victor conta que sofria bullying na escola, apanhava dos colegas, depressão e uma infância complicada, além da ausência do pai… Um pano de fundo que poderia derrubar qualquer adolescente, fazer seguir o caminho mais fácil. E foi na igreja, em busca de uma resposta, que a dança entrou e mudou sua vida.
“Meu pastor perguntou se eu não queria aprender a dança. Como todo homem preconceituoso imaginei que ele iria me colocar pra dançar de sapatilha… Pensei, ‘só vai aumentar o bullying no colégio’. Pensei que as pessoas poderiam me julgar, o medo me barrou. Mas alguma coisa falou em mim que eu deveria tentar”, conta Victor com um sorriso no rosto.
Nesse meio tempo sua trajetória o colocou de encontro com o Espaço Dançarte, uma escola de dança de Embu das Artes. “A Érica Santos, nossa diretora, viu alguma coisa em mim e me deu uma bolsa. Foi lá que eu reencontrei o Maycon, um amigo de infância que a gente tinha perdido contato. E ali começou tudo”.
Já a história de Maycon é marcada pela dança desde criança, mesmo em momentos difíceis, manteve o gingado que hoje é sua marca registrada. “Eu sempre gostei de dançar, desde criança mesmo. Eu morava em Embu das Artes, já era amigo do Victor, mas um incêndio na minha casa fez a gente perder tudo e minha família teve que se mudar para Osasco e eu perdi contato”.
Em Osasco Maycon continuou dançando, mesmo sem nenhum profissionalismo, sentia que a dança fazia parte de sua vida. Aos nove anos, um encontro mudaria seu futuro. “Estava catando latinhas pelas ruas de Embu das Artes pra ajudar minha mãe a completar a renda, mas eu estava muito feliz, dançando e pegando latinhas”.
Talvez pela inocência ou por uma felicidade inata as pessoas de bom coração, a cena de alegria em meio ao “trabalho de reciclagem” chamou a atenção de Raquel Trindade, uma das mais importantes artistas do Brasil. “Ela me chamou e disse que eu tinha uma coisa especial, um dom na dança. E me deu um conselho: ‘se você gosta de dançar não deixe isso morrer nunca”.
Maycon disse que esse encontro marcou sua vida. “Me lembro até hoje das palavras da Raquel Trindade”. Ao reencontrar Victor, que já estava no Espaço Dançarte, ele foi conhecer a escola. “Na época eu não tinha como estudar, a Érica não podia me dar uma bolsa, mas acabou me dando uma oportunidade, fizemos os gêmeos da Alice [no País das maravilhas]”.
A dança passou a fazer parte da vida dos dois, que passaram a dividir os mesmos sonhos. “A dança mudou nossas vidas. Tirou meu irmão da depressão e me tirou do fundo o posso. Eu tinha decretado que seria um garoto de rua ou coisa pior, tive muitas oportunidades de entrar no caminho errado, mas a dança barrou tudo isso”, conta com orgulho. “A dança escolheu a gente”, acredita.
E foi assim, de passo em passo, de saltos, de mortais, de cambalhotas e muito, muito suor que Victor VK e Maycon DX conquistaram para nós o mundo!