Estratégia “gamer” contra as mulheres e cidadania digital
Jornalista conta sua trajetória de defesa dos direitos e mulheres: Madeleine Lacsko é uma das co-autoras da obra “Princesas de Maquiavel: Por mais mulheres na política” que será lançado em outubro pela editora Matrix.
O livro conta ainda com a participação de presidentes partidárias como Gleisi Hoffmann (PT), Renata Abreu (Podemos), Luciana Santos (PCdoB), além de representantes da sociedade civil como Elas no Poder, Vote Nelas, A Ponte e Grupo Mulheres do Brasil, este último encabeçado pela empresária Luiza Helena Trajano do Magazine Luiza e a professora da FGV Lígia Pinto. A organização é da cientista política Juliana Fratini.
Por Madeleine Lacsko:
Eu comecei a gostar de política ainda muito pequena porque era um assunto que encantava dois homens muito importantes na minha vida.
Meu pai, João Alberto, era ligado às comunidades católicas de base e ao sindicato dos bancários do ABC, e meu tio, Victorio D’Achille Palmieri, fundador do CIEE, era um homem de direita ligado à Fiesp. Os dois tinham a preocupação de que eu não aceitasse assumir o papel secundário e de submissão que se reservava às mulheres nos anos 1980, incentivaram em mim a ideia de igualdade e a visão crítica sobre a forma considerada normal de tratamento das mulheres.
Quando comecei no jornalismo, em 1996, já tinha esse repertório político. Fui repórter e apresentadora nas rádios Trianon e Jovem Pan por 10 anos e depois assumi uma função na presidência do STF, conheci o poder por dentro.
Fiz parte da equipe do Unicef na campanha da erradicação da pólio em Angola e, de volta ao Brasil, trabalhei no marketing da CCR, fui a primeira diretora de Comunicação da Change.org na América Latina e assessora do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp. Depois, me especializei em adaptar redações tradicionais para o trabalho em redes sociais. Fiz o lançamento dos pilotos digitais da Jovem Pan, O Antagonista e Gazeta do Povo, onde hoje sou colunista.
Eu vivenciei uma grande abertura para mulheres na política, tanto na cobertura quanto em representatividade, nas décadas de 1990 e na virada do milênio, mas também um aumento da hostilidade a partir da década de 2010, quando os algoritmos das redes mudam para hipersegmentação. Já existe um aprendizado para enfrentar o machismo na política, a crença de que as mulheres são mais frágeis ou menos capazes. Desenvolvemos formas de reverter essa visão e muitos homens vêem a vantagem de superar essa estrutura. O problema que enfrentamos é outro, a misoginia e, sobretudo, a instrumentalização da misoginia com finalidade política. A hipersegmentação das redes cria grupos fechados, em que as pessoas unem-se muito mais pelo que rejeitam do que pelo que apóiam.
Vivemos as primeiras gerações em que, para ter uma mulher ao lado, homens precisam fazer com que elas gostem deles e queiram ficar. Ninguém sabe bem como agir e as frustrações e ressentimentos são forças poderosas para unir grupos na dinâmica digital.O marco da cooptação da misoginia para a política é o caso Gamergate, em 2013, um ataque a mulheres na comunidade gamer que começou com razão, saiu completamente de controle e foi instrumentalizado por Steve Bannon para o trumpismo.
Quando um grupo cria um ambiente digital permissivo com o ataque contra mulheres, ele atrai muitos homens e até algumas mulheres capazes de aderir a qualquer doutrina política por uma oportunidade de extravazar o ressentimento. É este o contexto que vivemos.
Eu comecei a ser alvo de ataques de milícias digitais diariamente em 2015, quando me pronunciei contra o Escola sem Partido. Nos primeiros anos, não entendia exatamente o que ocorria e tomei atitudes que me prejudicaram, desconhecia a Cidadania Digital mas julgava conhecer. Decidi estudar o tema a fundo em 2019, quando meu filho recebeu uma ameaça crível de morte e indivíduos foram tentar buscá-lo na escola. Saí da cobertura política e passei a me dedicar exclusivamente a entender este contexto do cyberespaço que nomeio Cidadania Digital.
Cidadania Digital é a consciência que precisamos ter da existência e de como funciona o cyberespaço, de sua dinâmica emocional e do impacto sobre nossas decisões e nossa forma de comunicar, para que possamos exercer plenamente nossa cidadania. Mesmo que uma pessoa não use internet, sua vida será afetada por acontecimentos desse novo espaço cívico.
Quando somos atacadas, tendemos a focar no conteúdo dos ataques, fingir que eles não existem ou expor para atrair apoio. São três erros que cometi. A forma como o ataque é organizado e as pessoas envolvidas são fatores tão importantes quanto o conteúdo. Calar significa que a aposta será dobrada. Expor fará que outras pessoas tenham medo de virar o próximo alvo e dá palco aos trolls.
Aprendi a mapear os ataques, catalogar de forma juridicamente válida e resolvi desarticular os grupos levando suas ações ao conhecimento do Poder Judiciário. Até o momento, venci 5 ações. Conto detalhes neste artigo.
Organizei todo o conhecimento que consegui em um único lugar, com o objetivo de empoderar pessoas comuns, alfabetizar no universo digital para facilitar a convivência e fazer compreender por que tudo parece tão polarizado e agressivo. Lancei este ano o curso online Cidadania Digital (https://cidadaniadigital.kebook.vip/), que ensina do zero a dinâmica deste universo.
Também faço treinamentos, cursos e palestras para públicos específicos, como executivos, partidos políticos ou funcionários de empresas. A grande dúvida das pessoas é sobre como controlar conteúdo sem censurar, uma discussão já superada. Conhecer Cidadania Digital ensina análise de contexto e rituais, que levam os indivíduos a tomar decisões muito mais conscientes e evitar conflitos desnecessários.
Faço vídeos específicos sobre o tema todas as terças e quintas no meu canal youtube.com/madeleinelacsko e também tenho uma newsletter gratuita, às sextas, https://madeleinelacsko.substack.com/ .
Poder não se dá, se toma. As mulheres já têm mais poder na sociedade e essa situação não vai retroceder. Espelhar esta situação na política depende de conscientização, inclusive das mulheres, sobre a necessidade de tornar o ambiente político menos hostil às mulheres e mais compreensivo sobre a necessidade de ter mulheres em posições de decisão num momento de transição como o que vivemos.