Liceu de Artes: Agregação, Formação e Sociabilidade em Cultura
Por Najara Lima Costa
“Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?”
Bertold Brescht (1898-1956)
Debater cultura dentro da realidade social brasileira pode até soar como provocação tamanha a forma a qual assimilamos e percebemos as “prioridades” de Estado. O assunto torna-se ainda mais prolixo ao consideramos estatísticas que ainda retratam grandes disparidades nas suas formas de acesso.
Dados da última pesquisa realizada pelo IBGE e informadas pelo Minc em 2008 assinalam que 93% dos brasileiros nunca foram a uma exposição de arte ao mesmo tempo em que apenas 14% freqüentam salas de cinema. Em primeira instância tais elementos informativos além de proporcionarem reflexões acerca das hierarquias de origens sociais, também revelam que o espaço social, qual estamos inseridos, favorece na assimilação de inúmeros valores . O desafio a partir deste contexto é justamente mudar paradigmas por tanto tempo estagnados e possibilitar novas condições e concepções estéticas.
Pensemos agora em nossa realidade local. As efetivações de projetos que atendam nossas demandas por vezes constituem-se com lutas que se deflagram em infinitos contra-sensos. À medida que a história avança suscitam-se interpretações sobre valores circunstanciais, enquanto que conseqüências estruturais e dinâmicas de ações políticas específicas fomentam ou eliminam oportunidades.
Sabemos que a inanição de recursos não é determinante para indivíduos que pensam a cultura como um alicerce que integra pessoas a sociedade. A própria constituição de ambientes e grupos de resistência em Taboão da Serra é perceptível desde espaços como CANDEARTE, TESOL, Mini Cine-Tupi, além de movimentos de expressão espontânea da linguagem como o Hip Hop Atitude e tantos outros.
Manifestações culturais oriundas dos estigmatizados expõem que estes encontram na arte a expressão e o sentimento de pertencimento com seu espaço independente do auxílio do poder público, contudo, como o estado pode hoje pensar novas políticas sociais fomentadoras de manifestações culturais e que não estejam contaminadas pela obliqüidade do assistencialismo?
É compreensível que o personalismo ou pelo menos sua tentativa a partir da “politicagem” em cultura aflora discordâncias que facilmente minam propostas. Por outro lado a mudança no caráter da acessibilidade hoje no município é vista com muito estranhamento por alguns que consideram sua representação com maior influência. Como é aceitável que presentemente pessoas tenham o mesmo direito ao acesso a cultura, sejam elas amigas de quem forem? Como é possível a existência de um projeto intergeracional e com sujeitos tão diferenciados racialmente e socialmente?
A resposta para esta questão é bem simples: A nova política cultural que se instalou comunga do pensamento de que poucos podem se tornar grandes artistas, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar. Para tanto, é necessário, acima de tudo, criar oportunidades.
A formação cultural longe de competir apenas aos membros das classes privilegiadas deve sim proporcionar aos menos abastados possibilidades de se familiarizarem com a arte. Esta proposta não sugere, no entanto, que conhecimentos adquiridos atuem como panacéia em meio a uma vivência por vezes tão perversa, mas algo necessário frente à perplexidade social que tanto nos brutaliza.
O Liceu de Artes Municipal de Taboão da Serra, atual sede da Divisão de Cultura, constitui-se hoje como o único espaço público da América Latina que possui aprendizado gratuito direcionado a qualquer indivíduo que almeje iniciação em qualquer área das artes o que faz com que este público também compreenda suas intersecções. Nesse ambiente encontramos pessoas das mais diversas faixas etárias, classes sociais e etnias, justamente por que seu conceito pauta-se no princípio da multiculturalidade e na adoção de políticas de neutralização dos efeitos discriminatórios.
No âmbito de debates de promoção e ampliação do acesso aos bens culturais é perceptível que este local é um instrumento de inclusão sócio-cultural que se fortalece dentro de uma linha de abertura, aproximação e agregação. A compreensão sociológica de um projeto como este também se constitui pela inovação no método. Sua interação espacial proporciona aprendizados que instituem interfaces entre áreas conduzindo escultores(as), grafiteiros(as), atores(as), músicos(as), bailarinos(as) e outros(as) artistas a um universo de linguagens diversificadas e enriquecedoras.
O método de ensino neste ambiente se estabelece pela sensibilização e entendimento do conceito da criação e liberdade artística. O aluno leva e transmite aprendizados em uma atmosfera que se opõe aos obscurantismos e essencialismos, já que diferenças sociais deixam de se tornar desigualdades facilitando a acessibilidade e inclusão de pessoas antes excluídas das políticas públicas de acesso à cultura na cidade.
A mudança no perfil das pessoas interessadas em cursos na área cultural em Taboão da Serra é um agregador que subverte uma antiga lógica. Somente uma base que se fortifica pelo viés do alcance coletivo permite com que homens, mulheres, crianças e idosos aprendam e desenvolvam momentaneamente e aos seus modos a cognição de conceitos em arte e cultura.
Se a arte é a capacidade humana de transmitir estados de espírito por meio de sensações, a sociabilidade e a convivência entre pessoas tão distintas também auxilia neste aprendizado. Resta dizer que esta formação não supõe etapas por não prever um término e que neste momento a “arte pela arte” não se faz conexa por não favorecer a inovação critica e transformadora.
Trabalhar democraticamente cultura implica antes de tudo entender o período, as condições locais e as necessidades em que se vive, pois o espaço não será adequado para seu desenvolvimento se não existirem primeiramente pessoas interessadas e preparadas para a nova linguagem. Frutos de um trabalho em formação voltados para a reflexão e para a criação de apreciadores das artes certamente não são colhidos com tanta rapidez, mas tornam-se imprescindíveis de serem plantados em nossos tempos ainda tão sombrios.
Najara Lima Costa tem 28 anos e é socióloga formada pela UFF – Universidade Federal Fluminense. Foi diretora da 53ª Paixão de Cristo de Taboão da Serra e atualmente é apresentadora da TV Multimídia Baobá de Cultura Afro brasileira além de professora de teatro do Liceu de Artes Municipal. Exerce atividades culturais e de pesquisa há mais de 12 anos.