O indigenista que incitou a construção do CEMUR
Aniversariante do ano. Inaugurado em 1979, CEMUR vai completar 40 anos em 23 de novembro
David da Silva, do Bar e Lanches Taboão
Na manhã de uma 5ª-feira, 2 de dezembro de 1976, em Taboão da Serra um Volkswagen intercepta outro da mesma marca. Os motoristas descem dos carros, e vão conversar na calçada em frente à Escola Estadual Wandick de Freitas. Quem olhasse de longe podia imaginar briga de trânsito. “O Armando Andrade estava recém-eleito prefeito, ia assumir o cargo dali a alguns dias, e me parou para fazer um convite”, explica Antonio Carlos Fenólio, um dos protagonistas daquele papo na beira da rua.
» Veja tudo sobre a nossa história
Fenólio lembra com detalhes cromáticos o episódio. “O Armando tinha um fuscão cor de abóbora, e o meu era um fuscão azul. Ele emparelhou comigo, fez sinal para eu encostar, e ali mesmo, na calçada, perguntou se eu aceitava colaborar com o governo dele na Educação e Cultura”, relata o mestre, na época diretor da E.E. Aracy de Abreu Pestana.
O grande cacique branco
Para fazer boa estreia na administração municipal, Fenólio buscou conselho com seu pai, que já tinha experiência política em Espírito Santo do Pinhal (SP) – o prédio da Câmara de Vereadores daquela cidade leva o nome dele. O velho sugeriu um seminário sobre as vertentes da cultura brasileira. Fenólio convidou o sertanista Orlando Villas-Bôas. O homem era um herói nacional. Com seus irmãos Cláudio e Leonardo, desbravou o oeste do Brasil, abriu caminhos que serviram de base para construção de estradas, fundou cidades, fez contato pacífico com tribos indígenas, e idealizou o Parque Xingu, sendo seu primeiro diretor. Os líderes dos povos da floresta o consideravam ‘o grande cacique branco’. O herói aceitou vir a Taboão da Serra para o seminário Formação do Povo Brasileiro que Fenólio ia organizar.
Mas Orlando Villas-Bôas tinha um requisito para vir. Contador incomparável de ‘causos’ que viveu em longos anos embrenhado na selva amazônica, ele atraia multidões. “O Orlando ponderou comigo que não fazia palestras para pequenas plateias”, relata Fenólio. “Disse que seria adequado um local para 500 pessoas. Fui atrás deste espaço”.
Corrida contra o relógio
O falecido prefeito Armando Andrade costumava dizer que a construção do CEMUR (Centro Municipal de Recreação e Cultura) foi uma “corrida contra o tempo para cumprir o que eu havia prometido” durante um baile beneficente realizado fora do município em 1978.
Mas faltava ainda um ano para o ex-prefeito fazer essa promessa, e Fenólio tinha pressa em encontrar o lugar para Orlando Villas-Bôas falar. “Fui com o José Carlos, do Departamento de Engenharia da prefeitura, ver se o pátio da Escola Estadual Alípio comportaria as 500 pessoas, mas os cálculos mostraram que não”.
Frustrado o plano de ter o grande sertanista entre nós, ficou patente que o município não podia mais esperar. Foi o que impulsionou o então prefeito a pegar o microfone durante o baile no extinto Club Solar dos Amigos. “Eu assumi naquele momento, publicamente, o compromisso de que no ano seguinte essa falta de local apropriado estaria corrigida”, escreveu em uma crônica publicada no site O Taboanense.
Erguido em frente à praça principal da cidade, o CEMUR completará 40 anos em 23 de novembro. No seu palco já se apresentaram figuras míticas da cultura brasileira como o dramaturgo Plínio Marcos e o compositor Belchior.
“Quando o CEMUR ficou pronto não consegui mais Orlando Villas-Bôas, pois era muito requisitado para palestras no Brasil e no exterior. Mas se já havia na época intenção de levantar o Cemur, o Orlando foi a gota d’água, o acelerador que coroou a ideia”, aponta Fenólio.