O protagonismo da enfermagem agora escancarado
Por Analice Fernandes
A pandemia do Covid-19 vai nos deixar profundas lições. Uma delas será marcada pelo protagonismo da enfermagem no sistema de saúde. Esse protagonismo sempre existiu, só não era visto, nem valorizado em uma sociedade médicocêntrica. Hoje está sedimentado pelas imagens, depoimentos, atos heroicos e infelizmente mortes, muitas mortes.
O sistema de saúde é conduzido pela enfermagem, são esses profissionais entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que compõe a linha de frente. Eles representam 50% da força de trabalho na área da saúde, segundo pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz, em 2015. Importante salientar também que a enfermagem é composta por 84,6% de mulheres, apesar de estar ocorrendo aumento dos homens na profissão.
É a enfermagem que implanta os programas de saúde, as medidas preventivas, profiláticas e curativas. E são eles os profissionais sempre relegados a um segundo plano.
O enfermeiro dentre as categorias com nível universitário que trabalha em uma Unidade de Saúde ou em um Hospital, é a única que não conta com a carga horária de 30 horas semanais reconhecida nacionalmente, além de não possuir piso salarial e quando conta com a insalubridade o valor é irrisório.
Milhares de profissionais da enfermagem foram contaminados, muitos não estão tendo acesso aos equipamentos de proteção individual, quase uma centena morreram vítima do Covid-19, sendo que a maioria foi contaminada exercendo a sua profissão.
Apresentei um projeto de Lei 347/18 que determina as 30 horas semanais no Estado de São Paulo, nas instituições de saúde públicas, privadas e filantrópicas. O projeto foi vetado pelo executivo e se encontra na Assembleia para apreciação do veto. Importante salientar que a jornada de 30 horas já é praticada pelo governo do Estado de São Paulo para seus enfermeiros e por algumas prefeituras, mas precisamos de uma regulamentação ampla e nacional. O Projeto de Lei 2295/2000, com a jornada de 30 horas, proposto pelo então senador Lúcio Alcântara, PSDB, está na Câmara Federal há 20 anos.
Recentemente, consegui a aprovação da Lei 17.234/2020 de minha autoria que determina a obrigatoriedade de uma sala de descompressão para a enfermagem nos Hospitais públicos e privados do Estado de São Paulo. A Lei ainda precisa passar por regulamentação. Até então a categoria da enfermagem apesar de fazer plantões, não conta sequer com o direito a uma sala onde possa ficar por 5 minutos para se recompor de momentos de alto estresse próprios da profissão que lida com a vida em seu limiar.
Na pandemia todas essas questões ficam mais evidentes, mais gritantes, não é possível fazer de conta que elas não existam. Vemos enfermeiros sentados nos corredores, debruçados em balcões, durante os minutos de descanso.
E agora temos mais uma questão que aflige a todos os profissionais de saúde, a pressão de não conseguir atender quem precisa urgentemente de socorro.
Ao ser questionada a necessidade de distanciamento social ou não, não vemos uma proposta de saída para os profissionais da saúde no exercício de suas atividades.
Como permanecer na linha de frente de um atendimento crescente, com insuficiência de insumos, equipamentos e profissionais? Quem é favorável ao relaxamento, prevê o que para os profissionais da saúde na ponta? Talvez um cerco, com seguranças armados, impedindo a aproximação de pessoas morrendo e agonizando?
As respostas não são fáceis, nem simples, mas precisamos seguir firmes pautados nas orientações científicas, até porque não dizer seguindo o bom senso. Já perdemos profissionais demais nesta guerra.
E o que temos ao nosso favor até agora, além do distanciamento social, são os ensinamentos de Florence Nightingale, patrona da enfermagem, que difundiu no sistema de saúde britânico a lavagem cuidadosa das mãos, a higienização, a ventilação e a entrada de luz solar nos hospitais e nas casas, o que a cada dia tem-se tornado mais essencial para um ambiente saudável.
Analice Fernandes, PSDB, enfermeira, deputada estadual e presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo