Taboão 66 anos: história e reflexões taboanenses – Parte III
A identidade taboanense se fez na luta por realização e dignidade
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Da coluna “Nas Beiradas da Metrópolis”, por Dr. Antônio Rodrigues Nascimento
As pessoas se identificam com lugares onde vivem a partir da associação destes às próprias memórias afetivas. Desde a vila bucólica do início do Século XX, passando pela cidade-dormitório sem infraestrutura após-emancipação, até a vibrante cidade contemporânea onde muitos dos moradores já podem trabalhar, estudar e construir relações socioafetivas,a definição da identidade urbana taboanense é complexa.
Digo por mim mesmo. O cotidiano era árduo para quem nasceu e cresceu nos bairros das novas periferias das cidades recém-emancipadas. Nos anos 1970, no Jd. São Salvador e adjacências tinham de lidar com os dramas da pobreza extrema, isto é, a falta de dinheiro associada à falta de serviços públicos essenciais como saneamento, saúde, transporte, educação, iluminação, pavimentação e segurança pública.
As relações humanas estabelecidas em ambientes urbanos marcados pelo abandono social generalizado e pela violência são afetadas de tal modo que, não raro,no convívio comunitário a desconfiança e a indiferença muitas vezes se sobrepõem à solidariedade.
Grande parte da geração de taboanenses à qual pertenço, ressalvadas exceções que conheço bem e outras que gostaria de conhecer, ficou limitada em seu desenvolvimento escolar e profissional pela falta de políticas voltadas para a infância e a juventude, com destaque para a educação pública de então, caracterizada por vagas insuficientes para atendimento da demanda e pela ineficiência pedagógica na preparação para acesso à universidade pública ou ao mercado de trabalho, reforçando o processo de exclusão social.
Muitos de nós fomos submetidos ao trabalho infantil, comum na época. Eram trabalhos informais mal remunerados e o duro aprendizado de profissões penosas e pouco valorizadas socialmente,frequentemente acumulando jornada de trabalho com estudo noturno.
Com todas essas dificuldades,muitas pessoas da “nossa quebrada” envelheceram precocemente, estropiadas pelo cansaço, má-alimentação ou por doenças cronificadas pela falta de tratamento adequado. Muitas outras morreram vítimas da violência.
Contudo,memórias sombrias convivem com lembranças luminosas da resistência que muitos assumimos ante os efeitos da extrema desigualdade social que nos foi legada.
Desde minha pré-adolescência, juntamente com outros companheiros de viagem, assumi atitudes de inconformismo e de luta, traduzidas na precoce militância no movimento estudantil (fui presidente do Centro Cívico da Escola Wandyck Freitas e fundador da União dos Estudantes da Comarca de Itapecerica – UECI); na busca constante de oportunidades de estudo e de emprego dignos; na resistência cotidiana contra a violência privada e estatal…
Apesar de todas as dificuldades, a indignação, a resistência, a criatividade, o amor e a amizade também floresceram entre nós.Foram inúmeras situações em que nos unimos em torno de iniciativas para tentativa de superação dos dramas sociais e pessoais.
Creio que no histórico de organização política, nas manifestações da cultura popular,na religiosidade, na arte e no esporte, minha geração encontrou formas de resistência e de construção de nossa dignidade taboanense, pois, mais que divisões político-administrativas ou certidões de nascimento, a identificação de pertencimento à Cidade depende, sobretudo,da vivência e das memórias de seus habitantes.
Hoje, somos milhares de pessoas que temos também histórias de amor, amizade, superação e sucesso relacionadas à Taboão.Essa dualidade de lutas e superações é que torna rica e complexa a experiência de ser taboanense.
Feliz aniversário, Taboão da Serra!